Alodinia Emocional

O termo médico alodinia expressa condições onde estímulos não dolorosos, em situações de normalidade, causam dor. Em pacientes com alodinia no couro cabeludo, por exemplo, o simples ato de pentear os cabelos pode ser percebido como uma sensação dolorosa.

Em 1999, o Accreditation Council for Graduate Medical Education and American Board of Medical Specialties desenvolveu um grupo de seis competências, dentre elas o profissionalismo médico, para orientar a educação médica. O conceito de profissionalismo médico significa o conjunto de atitudes e comportamentos que mantém o interesse do paciente acima do interesse médico, incluindo altruísmo, responsabilidade, compromisso com a excelência, dever, serviço, honra e respeito pelos outros.

Em meados de julho de 2020, surge dentre os médicos e estudantes de medicina o movimento #medbikini, criado após a interpretação equivocada do artigo Prevalence of unprofessional social media contente among young vascular surgeons(https://doi.org/10.1016/j.jvs.2019.10.069).

O artigo teve como objetivo avaliar a extensão do conteúdo não profissional, exposto por cirurgiões vasculares, no Facebook, Instagram e Twiter. A possibilidade que o conteúdo em mídia social disponível ao público possa afetar a escolha do médico pelo paciente, hospital e instalações médicas foi levada em consideração.  Foram avaliados 480 cirurgiões vasculares e 235 possuiam contas abertas em um dos aplicativos. Destes 235, 61 mostravam conteúdo não profissional ou potencialmente não profissional em suas páginas. De todos os avaliados, 68% foram homens.

Atitudes definitivamente não profissionais foram definidas como: violar regras de segurança, aparentar intoxicação alcoólica, comportar-se de maneira definitivamente ilegal, portar drogas ou acessórios relacionados a drogas, e  comentar de forma ofensiva a atitude de colegas de trabalho ou pacientes.

Atitudes potencialmente não profissionais foram: consumir álcool, vestir-se inapropriadamente, usar palavrões censurados, comentar de forma controversa atos políticos, sociais ou religiosos. Dentre o tópico vestir-se inapropriadamente, o artigo coloca  fotos em roupas íntimas,  fantasia de  Halloween e poses provocantes de biquínis ou outras roupas de banho.

Os autores deixam claro que a avaliação do que é ou o que não é algo não profissional é subjetiva, que o estudo tem muitas limitações e que não é possível avaliar se o conteúdo em mídia digital realmente tem alguma importância, de fato, para o paciente.

A conclusão do artigo foi que os médicos jovens devem estar cientes de que a exposição em mídia social, talvez, gere algum impacto em suas vidas profissionais. Nas palavras da minha avó: “Meu filho, bota a camisa para dentro e penteia o cabelo quando for para o hospital”.

Eis que o movimento #medbikini surge, escandalizado com o machismo opressor e tóxico, tomando as redes sociais, dizendo  esse julgamento e esse comportamento machista e conservador que não vem só dos homens responsáveis por esse estudo, mas também de muitos outros homens e, infelizmente, de muitas mulheres ou a forma como eu me visto não me diminui como médica ou ainda minhas fotos de binquini não tem relação com o quanto eu me dedico a minha profissão.

Pronto! Um diagnóstico preciso de alodinia emocional.

Um artigo que não tem absolutamente nada a ver com julgamentos ou sequer indica que mulheres não devam colocar fotos de biquíni, mas sim, como escrito acima, levanta a possibilidade de algumas fotos em roupas de banho, tanto de homens quanto de mulheres, se enquadrarem em uma atitude que não leva em consideração a opinião do paciente (afinal, profissionalismo médico envolve manter o interesse do paciente acima do interesse do médico), causou uma comoção histérica em mocinhas autorreferentes ávidas para postarem suas fotos de biquíni na internet e para mostrarem ao mundo o quanto se esforçam para serem boas profissionais, deixando claro, então, que seus interesses narcísicos estão muito além dos possíveis interesses de seus pacientes (pacientes mulheres, inclusive).  Ou seja, um estímulo não doloroso penetrou às almas dessa geração, que se sente oprimida mesmo na ausência de opressão, e gerou uma reação deslocada, em seu todo, do mundo real.

Tem cura! Mas tem que ser na UTI: Unidade de Terapia Intelectual.


Ah, e quanto aos biquínis… Como direi eu, quando avô,  “Minha filha, o mundo não está nem aí para as suas curvas… pode fazer o que você quiser, postar a foto que você quiser,… vai ser feliz… só não exija que todas as pessoas te levem a sério. Não podemos agradar todo mundo.”