Há alguns meses, o nefrologista José Neto, que ganhou espaço nas redes sociais com um excelente curso sobre Medicina Baseada em Evidências, recebeu uma mensagem de um colega dizendo que ele – José Neto – era uma vergonha para a especialidade. A questão envolvia uma divergência em relação ao manejo terapêutico de pacientes e dos resultados em questão.
Recentemente, Victor Sorrentino, cirurgião plástico e símbolo de uma medicina com foco em envelhecimento saudável e melhora de performance metabólica, dono de uma conta no Instragram com quase 1 milhão de seguidores, foi difamado publicamente – chamado de picareta – em uma página anônima que fora criada com o objetivo de expor os médicos que, supostamente, levam para a prática algo ilícito, inapropriado ou imoral.
Nestes dois episódios, percebemos alguém, falando sobre uma outra pessoa, com a premissa oculta de que esteja do lado certo. O que, para começo de conversa, já é uma imoralidade.
No primeiro caso, o sujeito se coloca a serviço de toda uma especialidade, anulando os fatos de que uma sociedade médica é formada a partir de um grande número de médicos, com pensamentos e experiências diferentes, e de que o assunto em questão possui uma vasta literatura médica com pontos prós e contras que, em um ambiente sério, jamais poderiam ser reduzidos a uma mensagem mal educada.
No segundo caso, ainda mais grave, uma pessoa, sem revelar o próprio nome, recorta parte da realidade exposta nas redes sociais e, sem uma análise completa, rotula o médico como sendo picareta e, sem rebater cuidadosamente os pontos de divergência no que foi apresentado, desperta no público desinformado a falsa sensação de justiça.
Partindo do pressuposto de que os acusadores são médicos e, pelo menos em parte, são capazes de entender que a Medicina carrega em si o imponderável e o imensurável, são as palavras vergonha e picareta, a chave para o diagnóstico preciso: Ressentimento e vaidade.
Toda divergência de opiniões precisa ser exposta com nome, endereço, explicação clara do motivo da discordância, de forma gentil e… privada. Ou, caso você ache que há algo mais grave, denuncie ao Conselho Federal de Medicina, orgão competente para avaliar questões ilícitas, inapropriadas ou imorais. Qualquer variação disso, ainda mais seguida de uma sensação de ira ou de vontade de fazer justiça, nada mais é do que ressentimento e vaidade.
Nossos professores antigos, catedráticos de terno e bigode, estão sendo substituídos por diferentes personagens públicos, alguns com quem teremos afinidade instantânea, outros onde a repulsa será a primeira impressão. Mas tanto a afinidade como a repulsa entorpecem a busca pela verdade, e a segunda, quando somada ao mal estar sentido pelo sucesso alheio, encontra um terreno fértil para a difamação indevida. Afinal, como este sujeito faz sucesso e eu, que escolhi a medicina certa pelo bem do paciente, não faço?
O que cabe a um adulto, então, é escolher a quem seguir, a partir da análise detalhada de cada caso e estudando os temas com dedicação e seriedade, e não, como um adolescente mimado, a se apressar em acusar e condenar, movido por sentimentos pueris, sob pena de perder o bonde da história e também umas noites de sono corroído pela inveja.
Médicos com sucesso virtual podem não ensinar a medicina que você escolheu, mas você pode aprender a se interessar genuinamente pelo paciente, a perder o medo das redes sociais, a treinar a sua oratória e a investir na sua carreira e na sua imagem pessoal, apenas observando as suas trajetórias.
Qual é a medicina certa?
Não pretendo responder aqui, mas sei que quando chama-se alguém, anonimamente, de picareta ou fala-se em nome das sociedades ou pelo bem do paciente, é porque a vergonha na cara já foi para o brejo.