Tião acordou às 5 horas. Fez a barba, moldou o bigode e tomou cuidado para não acordar Inês. Um banho quente. Enquanto ouviu o chocalho do chuveiro elétrico, pensou no dia de trabalho e organizou a agenda na cabeça. Precisava ir à casa do Jorge para limpar a caixa de gordura. Chinelo de dedo, calça preta e camisa social de manga curta, aberta até o meio do peito. Boné. Logo logo chegou na padaria. O café da manhã com pão na chapa e café pingado reunia cinco ou seis que, todas as manhãs, falavam de política – exceto às segundas que o assunto era futebol. Entrou mancando. Bituca e Orlando olharam e sorriram com ar de deboche.
“Tá véio, em Tião!”
“Tô.”
Sorriu, abriu a cadeira de ferro e se sentou. Haroldo apareceu com meio pão de sal amassado, quente e com manteiga, e com um copo de vidro com frisos verticais, que seriam enchidos com café ou pinga, a depender do freguês. O cheiro da padaria inaugurou a fome do dia. Tião passou a mão esquerda no joelho do mesmo lado, de cima para baixo e debaixo para cima, lentamente, enquanto ouviu Orlando explicar o problema do Brasil, de novo. Com a mão direita pegou o pão. Orlando explicou que se não fosse o agronegócio, a crise teria sido ainda mais feia. Que o Brasil alimentava 30 porcento da população mundial e que não entendia o porquê do povo ainda morrer de fome. Na vitrine de vidro, croquetes, joelhos, pastéis e sonhos seguiam inclinados, iluminados, em bandejas de metal, se oferecendo para o público. Na prateleira, atrás do balcão, os maços de cigarro mostravam todos os dias as fotos caricatas de homens impotentes. A cidade começou a se movimentar. A conversa só foi interrompida pelas motos que passaram gritando. As galinhas andaram na porta do bar, ignorando os cachorros que, no sol, ainda não acordaram.
“Tô com uma dor no joelho…”
“Cê tá é véio, Tião!” , disse Orlando voltando a sorrir após a análise econômica feita com seriedade.
“Tem que ir no meu médico…”, Bituca afirmou, enrolando um cigarro de palha.
“Ah, mas cê vai nesses médicos e é tudo a mesma coisa…”, reclamou Tião ainda inclinado para frente e esfregando o joelho. Olhou para a bandeja de sonhos.
Bituca apontou para fora do bar, com a mão indicando uma curva para a esquerda e falou.
“Vai no Doutor Fernando. Ele é meu amigo.”
“Amigo de quem?”, Orlando riu e deu uma golada no café, duvidando dessa amizade improvável.
“É meu médico…”, respondeu Bituca.
“Médico do que?”, perguntou Tião, curioso.
“Ele me tratou do pulmão e quando eu tive aquele cobreiro. Duas vez ele me salvou.”
“Mas meu problema é de joelho.
“Ele trata de tudo, bobo. A sala dele fica cheia. Uma veiarada danada…”
Orlando, mais uma vez sorrindo, disse. “Então é pro Tião mesmo!”
“Vai lá, sô. Eu só vou nele agora”, Bituca insistiu.
“É caro?”
“Você é rico! Tá cheio de cliente… pode pagar o dobro até!”, Orlando de novo, implicando.
“Ele atende onde?”
Bituca puxou Tião pelo braço, que foi mancando até fora da padaria, dizendo “Calma.. calma…”
“Desce a rua e dobra a primeira esquerda. Vai até o final e tem uma clínica em frente o correio. Lá que ele atende.”
Tião tirou uma bic do bolso e perguntou.
“Como ele chama mesmo?”
“Fernando. Doutor Fernando. Diz para ele que eu que te mandei lá”, Bituca passou o recado, olhando de lado para Orlando, dando a entender que era amigo mesmo do médico.
Tião anotou na mão – na mão que esfregou o joelho – o nome do médico. Eles se sentaram de novo e Orlando começou a falar mal do prefeito.
“Para que tanta obra?”
O café acabou, o médico ganhou um paciente e Tião retomou a esperança.